sexta-feira, junho 2

O verbo ler não suporta o imperativo. É uma aversão que compartilha com outros: o verbo “amar”… o verbo “sonhar”… É evidente que se pode sempre tentar. Vejamos: “Ama-me!” “Sonha!” “Lê” “Lê, já te disse, ordeno-te que leias!”. - Vai para o teu quarto e lê! Resultado? Nada Ele adormeceu sobre o livro. De súbito, a janela pareceu-lhe aberta de par em par, por onde se iria evadir, voar, para fugir ao livro. Mas era um sonho acordado: o livro continuava aberto diante dele. (…) (pag.11) Em matéria de leitura, nós, os “leitores”, temos todos os direitos, a começar pelos que recusamos aos jovens que pretendemos iniciar na leitura. 1) O direito de não ler. 2) O direito de saltar páginas. 3) O direito de não acabar um livro 4) O direito de reler. 5) O direito de ler não importa o quê 6) O direito de amar os “heróis” dos romances 7) O direito de ler não importa onde. 8) O direito de saltar de livro em livro 9) O direito de ler em voz alta 10) O direito de não falar do que se leu (…) Se queremos que o nosso filho, a nossa filha, a juventude leiam, é urgente outorgar-lhes os direitos que outorgamos a nós próprios (pag.139-40) "Como um romance"- Daniel Pennac, Edições Asa

Li este livro pela primeira vez (há 15 anos?) e confesso a imensa ingenuidade com que o recebi. Hoje, leio-o com algum distanciamento e sentido crítico. Como sabemos, a experiência tem muito pouco a ver com o que vem nos livros.

O optimista editorial do José Manuel Fernandes no Público de hoje aponta falhas aos pais e faz muito bem :"Para gostar de ler é preciso começar por ouvir ler. E quem melhor do que os pais para fazê-lo?" Mas não só. Falha também a importância de uma boa colecção numa biblioteca pública, o atendimento e o profissionalismo. Os primeiros passos de um novo leitor numa biblioteca são fundamentais para se tornar um leitor no futuro. Receber alguém que entra numa biblioteca pela primeira vez sem paternalismos, condescendências, mas com gentileza e simplicidade, transmite-lhe segurança, motivação e vontade de superar as suas dificuldades. Vê-lo, com o seu mérito, transformar informação em conhecimento, cativar um novo leitor, criança, jovem adulto, adulto, é das coisas mais gratificantes para um bibliotecário. Saber que ele conta com ajuda nas pesquisas, com as sugestões na leitura, com o apoio numa referência bibliográfica, é extremamente motivador. É trabalho para profissionais com competências próprias e adquiridas (porque não talentos?), tarefa demasiado séria e que não se compadece com boas vontades e gestão deficiente dos recuros humanos disponíveis.

Sabe-se que a maioria dos leitores de ficção se perdem quando saiem do secundário e deixam de ter leituras obrigatórias. Nada a fazer depois. É antes, muito antes que se formam leitores, que se criam condições para que se sintam envolvidos na comunidade, nas suas bibliotecas, locais agradáveis onde foram em criança, se tornaram adultos e onde provavelmente irão levar os filhos.

Será certamente assim. Uma corrente de leitura, proventura de cidadãos mais cultos e mais informados. Mas isto sou eu a escrever no meu blog de estimação.

2 Comments:

Blogger cecília r. said...

quando li o pennac, há uma data de anos, pareceu-me que de um modo geral, ele tinha toda a razão. com um primeiro filho, «verificou-se» que sim. o segundo, constato, nem sequer gosta que lhe contem histórias...

8:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tens a certeza de que os jovens lêm as tais obras ditas obrigatórias? Tanto quanto sei folheiam resumos (os que näo gostam de ler),ou "apanham" sinopses nas aulas. É claro que há aqueles que gostam de ler. Esses lêm, sobretudo, o que náo é obrigatório. Adolescente é assim.

11:17 da tarde  

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